Imposto seletivo: que tributo é esse?

Fruto da reforma tributária, ele visa desencorajar consumo prejudicial e influenciar padrões de consumo

Este é o primeiro de uma série de artigos voltados a desvendar o imposto seletivo (IS), um tributo inédito no sistema tributário brasileiro, inserido pela Emenda Constitucional 132 no rol de competências tributárias da União.

O art. 153 da CF, em sua nova redação, prevê no inciso VIII o que temos considerado duas diferentes materialidades: o IS clássico, incidente sobre o consumo e delineado nos incisos I a VI do §6º, ao qual dedicaremos os quatro primeiros artigos desta série, e o IS atípico, incidente sobre as extrações, conforme o inciso VII do §6º, de que trataremos em nosso quinto e último artigo.

O IS clássico, ao lado do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), é apontado na literatura internacional como uma das formas mais antigas de tributação do consumo (Sijbren Cnossen, Theory and Practice of Excise Taxation, 2005).


São tributos com papéis distintos: enquanto o IVA tem finalidade puramente arrecadatória e deve incidir da forma mais uniforme possível sobre todos os bens e serviços (tributação geral do consumo), o IS é um tributo eminentemente discriminatório, cobrado sobre determinados bens e serviços, e com alguma finalidade específica (tributação especial do consumo ou excise taxation).

A cobrança do IS costuma estar fundamentada em um de três objetivos especiais de tributação, também conforme a literatura internacional (Sijbren Cnossen, Theory and Practice of Excise Taxation, 2005):

Arrecadar receitas de forma estratégica: impostos seletivos sobre fumo, bebidas alcoólicas, petróleo e veículos automotores, por exemplo, podem ser boas fontes de receitas para os governos, pois são produtos fáceis de identificar, com volumes de vendas altos, há poucos produtores e poucos substitutos;
Refletir os custos externos gerados por determinados comportamentos: a tributação especial pode ser fundamentada como uma cobrança pelos custos externos que consumidores de alguns bens e serviços impõem sobre os outros. Trata-se do chamado “imposto Pigouviano”, baseado na Teoria de Pigou (The Economics of Welfare, 1920) de que, relativamente aos bens e serviços nocivos, o consumo eficiente pode ser alcançado por meio da tributação equivalente ao custo marginal causado pela atividade. Assim, por exemplo, o imposto seletivo teria como pressuposto indenizar o sistema público de saúde pública pelos gastos causados pelo fumo;
Desestimular o consumo: imposto seletivo usado como forma de induzir determinados comportamentos. Por exemplo, tributa-se o fumo e as bebidas alcoólicas quando o governo entende que essa medida é mais eficaz para proteger a saúde da população do que apenas disseminar informação sobre os prejuízos que fumar e beber causam à saúde.
Os três objetivos acima mencionados são excludentes entre si, e, na EC 132, optou-se pela cobrança do IS com a terceira finalidade, de induzir comportamentos, desestimulando determinados atos de consumo no contexto de uma determinada política pública.

Desde a primeira versão da PEC 45, que originou a EC 132, propôs-se a inclusão de novo inciso no art. 154 da CF, para autorizar a União a instituir impostos seletivos “com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”.

Embora o texto tenha sofrido algumas modificações ao longo da tramitação, a versão final promulgada continuou prevendo a finalidade do IS de reduzir o consumo de “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, conforme se verifica do atual art. 153, VIII, da CF.

Uma primeira constatação importante pode ser extraída desse delineamento constitucional: o novo modelo de tributação especial do consumo, ainda que chamado de seletivo, não tem sua incidência delineada “em função da essencialidade” do produto, mercadoria ou serviço, como ocorre em relação aos atuais ICMS e IPI, nos termos dos arts. 155, §2º, III e 153, §3º, I da CF, respectivamente.

Vale dizer, para a cobrança do IS é irrelevante a imprescindibilidade do bem ou serviço, que, no sistema atual, levou “à multiplicação de alíquotas e à própria desfiguração do critério da essencialidade”, conforme o relatório apresentado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma tributária na Câmara, à Comissão Mista de 2021. O que importa para o IS é a nocividade de um determinado bem ou serviço à saúde ou ao meio ambiente, sendo a tributação usada para reduzir seu consumo.

Outra constatação importante é a de que, no Brasil, o IS não poderá ser cobrado pela União com a finalidade de arrecadar, tampouco observando os preceitos clássicos de um “tributo Pigouviano”, associado à ideia de “indenização” da coletividade pelos custos externos decorrentes do ato individual de consumo de um bem ou serviço prejudicial, como visto acima.

Pelo contrário, sua cobrança deverá ocorrer na exata medida do necessário para influenciar as práticas de consumo dos indivíduos, induzindo-os a deixar de consumir ou a reduzir o consumo de bens e serviços nocivos, conforme os objetivos da política pública respectiva.

Evidentemente, tratando-se de um tributo novo, criado no contexto da reforma estrutural da tributação do consumo no Brasil, há um longo caminho de aprendizado a ser percorrido, com base na literatura e experiência internacionais, e tendo em vista a materialidade descrita neste breve artigo.

E há outros vários desafios envolvendo o IS, que exploraremos nos próximos artigos desta série: (i) sua cobrança deve observar as boas práticas de governança; (ii) para induzir comportamentos, deve ser quantificado de forma apropriada e por produto, com alíquota ad valorem, ad rem, ou uma combinação de ambas; (iii) deve ser cobrado no momento adequado, uma única vez na cadeia; e (iv) deve voltar-se aos atos de consumo, e não à industrialização, importação, extração ou comercialização.
Fonte: JOTA

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