Reforma tributária: remédio ou veneno?

O ideal seria que o Senado aprovasse somente propostas unanimemente reconhecidas como benéficas

No início dos anos 2000, o meio empresarial implorava pela não cumulatividade do PIS e da Cofins. Esse apelo era um reflexo da preocupação com o acúmulo das contribuições ao longo da cadeia produtiva. Olhando retrospectivamente, muitos empresários hoje escolheriam, sem hesitação, voltar ao regime anterior. A razão para isso não são defeitos do regime não cumulativo em si, mas sim suas alíquotas que foram superdimensionadas pelo governo.

O aumento real de 30% acabou por financiar o descontrole das despesas públicas dos anos subsequentes, já que a regra prevista na medida provisória do PIS não cumulativo de que sua alíquota inicial seria apenas um teste para melhor definição dela própria e principalmente da futura alíquota da Cofins não cumulativa foi ignorada solenemente durante a elaboração e votação da Lei 10.833/2003. Inclusive, o Ministério da Fazenda respondeu a requerimentos de informações de alguns deputados e senadores que não tinha como mensurar o efeito do PIS não cumulativo na arrecadação federal durante o seu primeiro ano de vigência, algo inconcebível.

A história, em sua natureza cíclica, parece repetir-se com a atual reforma tributária. Nascida do legítimo e veemente desejo da sociedade brasileira por uma simplificação e redução da carga tributária, o atual projeto de reforma, ao invés de seguir a trilha desejada, está caminhando em direção oposta. Parece ser a solução encontrada pelo Estado para resolver o desequilíbrio das contas públicas, que voltaram a um estado de estrangulamento e precisam de um novo patamar de arrecadação ainda mais robusto, já que nenhum governo tem coragem de priorizar a reforma administrativa.


Há uma previsão alarmante de que as alíquotas de IBS e CBS poderão chegar a 32%, e todos os setores empresariais, percebendo a iminência das mudanças, buscam justificativas para pleitear suas inclusões no grupo de atividades com redução de 60% das alíquotas. Em meio a esse cenário, os prestadores de serviços parecem ser os mais vulneráveis. Eles serão tributados na mesma medida que a indústria e o comércio pelos novos tributos sobre consumo, num aumento médio de 200% da carga. Esse modelo não considera um ponto crucial: prestadores de serviços contribuem substancialmente mais com o INSS patronal, visto que bancam uma rubrica de folha de pagamentos proporcionalmente muito maior que os demais setores da economia.

As empresas no lucro presumido ou com atividades ainda mantidas na cumulatividade do PIS e da Cofins experimentarão agora o que as demais já sofrem há 20 anos.

A burocracia, que já é um labirinto complexo, promete tornar-se ainda mais intricada. Hoje, empresas lidam com algumas alíquotas de ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins. No entanto, com as novas diretrizes, todas elas administrarão uma quantidade estonteante de até 11.186 alíquotas estaduais e municipais de IBS e da CBS, entre inteiras e reduzidas. Esse número reflete a autonomia concedida a cada um dos 5.565 municípios e 27 entes federativos do Brasil para definir suas respectivas alíquotas. Imaginem uma grande indústria que vende seu produto principal para inúmeros varejistas em todo território nacional, usando atualmente apenas uma alíquota de IPI, 4 de ICMS entre interna e interestaduais, uma de PIS e uma de Cofins, totalizando 7. Essa mesma indústria, caso a reforma tributária seja aprovada com a atual redação, passará a aplicar uma alíquota estadual de IBS, uma alíquota municipal de IBS, e uma alíquota de CBS, possivelmente diferentes, quando da venda para varejistas de cada um dos 5.565 municípios brasileiros.

Uma das poucas virtudes da nova proposta é a determinação de que tributos não podem incidir sobre outros tributos nem sobre eles mesmos. Essa regra, conceitualmente perfeita e factível com poucas alíquotas, involuntariamente maximizará a burocracia neste cenário não desejado de milhares de alíquotas já que cada município a que sejam destinados bens ou serviços terá uma regra de três diferente para encontrar a base reduzida e fazer incidir cada uma daquelas alíquotas.

Ampliando nossa visão sobre a burocracia da reforma, é importante mencionar o extenso calendário de implantação de 2026 a 2033. Esse período será marcado por diferentes fases: a introdução de alíquotas simbólicas compensáveis dos novos tributos, uma etapa de transição do regime antigo para o novo com a simultaneidade de ambos e, por fim, a substituição completa dos antigos tributos em 2027 para a CBS e 2033 para o IBS.

O Simples Nacional, salvação de muitas empresas, não estará imune às mudanças. Sob a nova legislação, ele não gerará créditos de CBS e IBS para seus clientes. Isso pode levar à exigência de grandes descontos por parte dos clientes pessoas jurídicas, anulando a vantagem fiscal tão importante para as pequenas empresas.

Finalmente, o Senado – que tem a árdua tarefa de analisar e aprovar as propostas – enfrenta este difícil dilema. O ideal seria que ele aprovasse somente propostas unanimemente reconhecidas como benéficas: a unificação nacional das normas do ICMS e do ISS, a não incidência de tributos sobre tributos e a fusão do PIS com a Cofins. Isso evitaria o caos potencial gerado pelas demais mudanças propostas e permitiria avançar em outros aprimoramentos depois que uma sonhada reforma administrativa permitir o controle efetivo dos gastos públicos.

fonte: JOTA

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